Poeta Homenageada
Silvana Guimarães
Silvana Guimarães. Escritora, nascida em Belo Horizonte/MG, onde vive. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, foi pianista e especialista em transporte público. Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte [www.germinaliteratura.com.br/revista.htm] e do coletivo Escritoras Suicidas [www.escritorassuicidas.com.br]. Revisou e organizou incontáveis livros de poesia alheios. Participou de várias antologias poéticas nacionais e estrangeiras. O corpo inútil (2022) é o seu primeiro livro de poesia. Provavelmente, o único. [sil.guimaraes@gmail.com]
Poemas com A & Z —
armazém
o preço do cará anda
pela hora da morte como
a maldade dos homens
a indiferença
a insensatez
me tres
passam
sobres
salto
nem átona
nem tônica
nem ostra
nem âmbar
ando farta da vida
e de você, meu bem
mas às vezes o coração
bate tão forte que
mal me reconheço
a ponto de cair
como manga espada do pé:
inocente & madura
anúncio
a minha casa guarda silêncios
ausências e soluços
em cada canto meus absurdos
naquela janela um par de asas
bem ali a ração dos
cachorros e a solitude
sob os tapetes as cicatrizes
sobre a pia as máscaras
trancado a chave
o armário de incêndios
atrás da porta
a minha sede
no terraço uma rede
de renúncias
no jardim entre os antúrios
um antro de amarguras
no alpendre
o breu o breu o breu
quem comprar minha casa
leva minha alma dentro
arruaça
[ para drummond, meu príncipe ]
ele me lambia
e a lama debruçava-se sobre brumadinho
ele me lambia
a boca os dentes a barba babasilabavam
ele me lambia
e o 38º presidente tomava posse do brasil
ele me lambia
o coração chamejava entre as coxas
ele me lambia
e lula deixava a prisão
ele me lambia
o beijo abocanhava cuspe & cheiro de sal
ele me lambia
e o tal presidente destroçava o país
ele me lambia
meu nome na ponta da línguafaca
ele me lambia
e uma onça esturricava no pantanal
ele me lambia
aquela língua tão quente tão fugaz tão lenta
arrastão
[ para o meu cachorro manso ]
vivemos um tempo triste, au au
cães & gentes pelos & peles
sangram nas ruas & tevês
a vida não vale a vida, meu bem
você não perde por descansar
salvo da sanha humana-serpente
como quem me consola, afago
seu corpo morto e choro:
— dorme, tobias, dorme
amanhã vai ter sol
angiologia
angelina e sua coleção de varizes
fora os dentes escuros suspeitos
e as gengivas que ardiam infiéis
na cozinha da patroa fazia bolinhos
de chuchu com vagem macarronada
pernil com tutu farofa: inesquecíveis
na igreja operava milagres curava cegos
mancos tortos hipertensos diabéticos
negacionista: debochava da medicina
foi atropelada na cristiano machado:
voltava do culto endeusada angelical
sorriso discreto calafrios de felicidade
subiu aos céus — enfim arrebatada —
nos braços paramédicos do samu
à velocidade maior da escuridão
zoom
por baixo de
esparsos fios brancos
pequenas rugas amargas
mágoas disfarçadas
dores mudas
discreta flacidez
delicadas estrias
intensas indignações
palpita meu coração de 1993
OUÇA ALGUNS POEMAS DE SILVANA GUIMARÃES
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A Germina - Revista de Literatura & Arte é uma publicação digital, independente, voltada para a divulgação de arte. Seu propósito fundamental é difundir a literatura, e possibilitar uma aproximação cada vez maior entre os escritores - consagrados ou não - e os seus públicos. Seu compromisso é estimular o debate crítico e revelar talentos que não teriam a mesma chance de ser conhecidos no modo tradicional. Possui um imenso acervo de autores brasileiros e estrangeiros. No ar desde 2003 como site pessoal, tornou-se revista a partir de 2005. De periodicidade trimestral, publica textos em outras línguas, não tem fins lucrativos e é mantida exclusivamente por recursos financeiros de suas editoras.