Geraldo Ramiere

LÁGRIMA DE URUCUM


O sangue que de nossas mãos escorre
É o mesmo de ontem e de séculos
É o mesmo de cada genocídio indígena
É o mesmo de uma menina Yanomami
Estuprada e morta por garimpeiros
É o mesmo que envenena tantos rios
Com a lama almadiçoada pelo mercúrio
É o mesmo de cada floresta devastada
De toda aldeia destruída, da ascentralidade
Deixada ferida para sangrar até o fim


O sangue que de nossas mãos escorre
Tem a rubra cor do nome desta terra
Que numa mesma única lágrima chora
A esperança que ainda sobrevive
Na pele pintada de urucum



*


XAMÃ


Desde criança ouço os chamados

Das árvores e dos pássaros

Das rochas e dos ventos

Das águas e do fogo

Da lua e das estrelas

Chamando-me sussurrantes 

Pelo meu nome, e após

Voar perdido na escuridão

Dentro da noite aprendi 

A ter olhos ao escutar


No ritual deste ato de escrever

Ao ouvir o bater do coração

Usando palavras como ervas

Transcendo-me em poesia

E com sua força ancestral

Encontro meus totens e guias 

Fazendo de cada poema

Um cristal e pedra de poder

Transmitindo a energia sagrada

E curando-me na cura de quem lê