Maurício da Fonte

 

estive lá

mas não me lembro onde

bem além de onde o vento faz a curva

talvez em Xangri-lá

ou até no Catolé

 

estive lá

mas não me lembro onde

onde foi, não me recordo

se foi lá no Cafundó

ou então na Caixa Prego

 

no meio da encruzilhada

de uma lembrança esquecida

e a saudade inominada

dos sonhos da minha vida



O Livro


Ainda lembro. Foi no pior momento da pandemia. Sabe aqueles dias em que a pessoa acorda sentindo todo o peso do mundo sobre os ombros? Nos quais a tristeza diante dos absurdos cotidianos parece que vai nos sufocar? Eu tinha tirado o dia para fazer uma faxina no meu quarto, e terminei me distraindo ao organizar alguns livros em minha estante. Um deles prendeu a minha atenção: “Faz Escuro Mas Eu Canto”, do poeta barreirense Thiago de Mello. Acabei a faxina e aproveitei o resto do dia para ler o livro.


Ao final da leitura, eu chorava. Os poemas me encheram de algo que há muito tempo eu não sentia: esperança. Esperança de que um mundo novo é possível, um mundo no qual nós celebramos a vida, em contraposição à pulsão de morte que tomou o mundo em que vivemos. E mais ainda: esperança de que nós podemos construir esse mundo diferente. 

Ao mesmo tempo, uma outra obra teve o mesmo efeito catártico sobre mim, a música “Chimes of Freedom”, de Bob Dylan. A ideia de que, apesar das trevas e da tempestade, os relâmpagos ainda clareiam a terra, reluzindo por cada pessoa que luta contra as injustiças, por cada pessoa que sofre e por cada pessoa que ama.


Esses dois trabalhos me encheram de inspiração para que, depois de um longo e tenebroso bloqueio criativo, eu finalmente voltasse a escrever. Gosto muito de escrever quadrinhas e décimas. As quadrinhas, por sua capacidade de dizer tanto com tão poucas palavras; as décimas, para matar a saudade do sertão. Mas não me prendi apenas a essas duas maneiras de escrever, e também experimentei utilizar versos livres.


Assim, usei a poesia para dar vazão à minha revolta diante de cada violência a que somos submetidos diariamente pelos idólatras do ódio e da opressão. Fiz dos versos minha  saída para escapar, mesmo que por alguns instantes, do medo de ficar doente e de morrer e do medo de perder pessoas queridas para a pandemia. A poesia me deu asas para retornar ao sertão, ao menos em pensamento, e me deu voz para expressar minha saudade de outros locais e outros tempos mais felizes. Ela me deu olhos para reaprender a enxergar a beleza nas momentos pequeninos de nossa vida. E, mais do que tudo isso, ela devolveu a esperança ao meu peito. A certeza de que, por mais que a noite seja escura, nós podemos construir um novo amanhecer.